Dinheiro de multas deveria ser investido nas ruas

As multas, sejam elas por excesso de velocidade, por dirigir falando ao celular, por dirigir sem cinto ou por violação de várias outras leis de trânsito, têm sido cada vez mais comuns e geram grandes quantias em dinheiro arrecadado com as infrações nas cidades brasileiras. O que poucos brasileiros sabem, porém, é que o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) estabelece que parte dessa quantia arrecadada com a falta de educação e a imprudência dos brasileiros deve ser usada exclusivamente para melhorar as condições do trânsito nas cidades. Porém, difícil é acreditar que isso realmente acontece ao nos defrontarmos todos os dias com a caótica situação vivida nas ruas. É o flagrante de um ciclo vicioso: os cidadãos desconhecem a legislação, ninguém fiscaliza e as autoridades pouco esclarecem sobre o que fazem com os recursos arrecadados das multas no país.

CAIXAS PRETAS

Sinalização de engenharia de tráfego, policiamento, fiscalização e educação no transito são alguns dos investimentos prescritos pelo artigo 320 do CTB. Da receita arrecadada, todos os órgãos autuadores devem repassar 5% para o Fundo Nacional de Segurança e Educação de Trânsito (Funset), de acordo com o parágrafo único do mesmo artigo. O objetivo desta lei é promover melhores condições de trânsito e conscientizar os condutores de sua responsabilidade.

A lei é clara e muito bem intencionada, mas pouca gente a conhece. O motorista Milton Araújo dirige há mais de 20 anos e, neste período, já recebeu algumas multas. Mas Milton não sabia da existência dessa lei nem sabe para onde vai essa verba. “Já fui multado algumas vezes. Paguei minha dívida, mas não faço ideia do que foi feito com o dinheiro”, afirma. Assim como seu Milton, grande parte da população não sabe da existência desta lei e desconhece o destino das verbas adquiridas por meio das multas de trânsito no município.

Em Belém, o órgão responsável por arrecadar o dinheiro pago pelas multas é a Secretaria de Mobilidade Urbana (Semob). No ano de 2013, foram aplicadas 185.197 multas na cidade. Embora procurado pelo DIÁRIO ao longo de todo o mês de março, até o fechamento dessa matéria o órgão informou que ainda não sabia o quanto esse número equivale em reais. Também procurado para tratar do mesmo assunto a nível estadual, o Detran-PA esquivou-se de oferecer maiores esclarecimentos.

Logo, a informação de quanto poderia ter sido investido para a melhoria do trânsito de Belém e do Pará como um todo, como determina a lei, também não foi esclarecido, tampouco é claro se parte do que é arrecadado e quanto realmente tem sido destinado no Pará ao fim que prevê o CTB.

O especialista em trânsito Rafael Cristo ressalta que este assunto deve ser do conhecimento de todos. Segundo ele, este dinheiro deve ser investido em mais ações voltadas para o esclarecimento de dúvidas e aprendizagem dos condutores. “As pessoas deveriam estar cientes não só sobre este assunto, mas também sobre as demais leis de trânsito. Pessoas mais informadas colaborariam para melhorar o trânsito local e para exigir seus direitos”, diz ele.

São dados importantes que não podem passar despercebidos pela Semob ou o Detran – já que, ao não informar o que se faz com a arrecadação com multas, faz-se imaginar que a aplicação de penalidades não passa de uma indústria de fazer dinheiro. “A falta de transparência no uso do dinheiro de multas por parte dos órgãos responsáveis gera incerteza, leva desconfiança para o uso indevido dessa verba”, critica o jurista Josué Begot.

EXÉRCITO DE UM HOMEM SÓ

Mas, mesmo nesse cenário, no meio da rua, entre ônibus e caminhões, carros apressados e o zunido morno do fluxo pesado de veículos de Belém, um homem insiste em fazer a sua parte e promover, ao seu modo, o que for possível para levar mais educação ao trânsito e ajudar a ter mais segurança nas pistas.

Sim. É tão incomum encontrar pessoas assim que, quando isso acontece, é de chamar atenção. O agente de trânsito Adalberto Rodrigues acabou ficando conhecido devido à sua atitude correta na execução do seu trabalho. Sempre de bem com a vida, Adalberto se comporta de modo exemplar e promove a educação no trânsito por ajudar pessoas idosas a atravessar faixas, guia os deficientes e orienta com cuidado quem precisa de ajuda.

Ao falar sobre sua motivação, Adalberto é enfático ao dizer que ama o que faz e que tem prazer em ajudar e promover a educação no trânsito. Ele só lamenta uma coisa: a falta de educação das pessoas. “Como agente de trânsito, vejo muita imprudência. São poucas as pessoas que respeitam as leis. O grande problema é a falta de educação mesmo”, afirma.

Conhecedor do difícil trânsito da cidade, o próprio agente reconhece que faltam mais iniciativas públicas relacionadas à educação no trânsito. “A educação deveria vir da base escolar, não apenas das aulas dadas nas autoescolas. Por isso, minha preocupação não é em multar, e sim em instruir o condutor a respeitar as pessoas, a sinalização e ser educado”, reitera.

EXEMPLOS

Assim como Adalberto, Francisco Alves também faz a sua parte contribuindo para um trânsito melhor. Motorista há mais de 30 anos, Francisco preocupa-se em agir de maneira correta, respeitando as leis, o que é uma maneira de promover educação, já que é exemplo para outros condutores.

“Me esforço ao máximo para cumprir as leis e sou muito cuidadoso. Tem muita gente irresponsável dirigindo. Já nem me lembro mais quando recebi uma multa”, comemora. Para ele, é mais do que claro que a falta de multas se deve ao seu bom comportamento nas ruas. Simples assim.

(Diário do Pará)